Querida amiga expatriada,
faz tempo que eu não apareço por aqui. Realmente, minha vida e a de todo mundo virou de ponta cabeça nos últimos meses. Não, não estamos no mesmo barco. Para a grande maioria dos brasileiros está MUITO difícil esse período, sem trabalho e comida.
Queria contar, e acima de tudo registrar, como foi nossa quarentena na Holanda.
Todo mundo achava que 2020 seria O ANO!!! Eu pulei ondinhas na praia, passamos em família no Brasil e tudo indo super especial. Voltamos do Brasil, fui para Londres a trabalho. Thiago foi para os EUA e Austrália, a trabalho, também.
Não costumo viajar em fevereiro, no break de inverno na escola, porque eu detesto passar perrengue chique no frio. Não acho a menor graça viajar no frio. Meu marido tirou dois dias de folga para passear com as meninas, e eu trabalhei. Acima de tudo, eu nao curto o mês de fevereiro, porque depois de meses usando casaco (desde setembro), já não aguento mais e consegue esfriar mais ainda. Portanto, é o mês que eu tiro para planejar e comprar TODAS as férias do anos. Migs, comprei todas as passagens do ano para Filipinas, Dubai, Istambul, Egito, Romênia e Malta. SIM, baita ano!
Até que foi tudo muito rápido. Depois do break de fevereiro, a escola das minhas filhas colocou todas as famílias que viajaram para a Itália e Ásia em quarentena. Tudo muito estranho. Minha empresa marcou minha viagem para Londres novamente, e meu marido iria na mesma semana. De repente, tudo cancelou. As empresas cancelaram todas as viagens de um dia para outro.
Lembro que no dia 13 de março saí para comemorar o aniversário de uma amiga. Fui jantar na casa de outra amiga, e dia 14 de março (sábado) nos trancamos em casa por dois meses.
Quarentena na Holanda
A quarentena na Holanda não foi lockdown. Na Europa, a quarentena foi muito restrita para Itália, Espanha e França. Aqui, no começo, não podíamos sair. Somente para mercado e farmácia. Era uma recomendação do Primeiro Ministro. Todas as empresas se adaptaram ao home office.
Realmente, eu não sai. Saia para sacar dinheiro e meu marido fazia as compras de mercado.
Eu faço home office há quase três anos. Então achava que iria ser ok, mas home office é uma coisa e tentar trabalhar em casa no meio de uma pandemia é outra.
Meu marido comprou on-line mesas na Ikea para as meninas e para ele. Montamos tudo. Me organizei. Criei uma agenda. Estava disposta a ganhar o prêmio Mãe do Ano! Rá! Que piada. Foi simplesmente uma boxxxxxta, aliás boxta para todos os lados até no ventilador.
Eu chorei TODOS os dias nas três primeiras semanas. Sério! Eu simplesmente não conseguia dar conta. Meu trabalhou duplicou de um dia para outro. Calls que não acabavam mais. As meninas sempre apareceram e tudo ok, mas agora era mico atrás de mico. Vic disse, em inglês, no meu call que eu tinha bunda grande, acreditam? Outra dia disse que a perereca estava doendo, pelo menos dessa vez em português. Se fosse só isso, tudo bem. Eu trabalho em vendas, e a pressão aumentou demais.
Por outro lado, reconheço todos os meus privilégios: tínhamos emprego e saúde.
Homeschooling
Que poha é essa? Eu nunca sonhei, quis ou levo jeito para ser professora. Eu valorizo e agradeço muito todos os professores do mundo. Nossa, sério! Tem que ter muito talento e paciência. Eu sempre dei muitos presentes para os professores. Eles merecem! Eles merecem! Eles merecem!
Aqui a falta de foco das minhas filhas era total. Não nos acertamos por umas três semanas. Até que eu resolvi acabar logo com isso pela manhã, e assim elas poderiam ter a tarde livre. Meu marido ficava com a Valentina até 10h, e eu com a Vic. Depois as duas faziam alguma tarefa da escola até a hora do almoço. Durante a tarde era tipo férias. Façam o que quiser! Podia comer donut, Nutella e qualquer coisa, porque realmente eu não vejo o menor problema em ser mãe de merda. Só me deixem em paz para trabalhar. E todos os dias eu trabalhei até bem tarde da noite para compensar a manhã na função de professora.
Até que as coisas entraram no eixo e funcionou dessa forma. Nunca foi bom e eu nem esperava isso.
Gente, vamos combinar? Esse é um ano perdido. Imagina quem estava para prestar o Enem? Absurdo. Não tem nem internet em casa, mora com mais 7 pessoas no mesmo quarto, e como estudar? Aqui, na Holanda, por volta de 6000 crianças não estavam fazendo homeschooling. O governo holandês deu computadores para essas famílias, isso mesmo, gente!
Nova Fase na Holanda
Depois de um mês e meio, a Holanda permitiu as crianças usarem os parquinho. Nossa, foi maravilhoso! No primeiro dia, marquei com uma amiga, que tem as filhas da mesma idade, e ficamos apenas 4h30 conversando (com distanciamento). Um filha minha queria ir ao banheiro, fez no mato e eu peguei com saco plástico para jogar no lixo. Desespero para não voltar para casa.
No dia 14 de maio, minhas filhas voltaram para a escola, somente no período da manhã. A entrada e saída eram em horários diferentes para cada grade. Sem máscaras, sem face shield e com abraços e amor entre as crianças. Os pais não podiam entrar na escola, mas as crianças ficaram MUITO felizes em rever todos amiguinhos. E eu mais ainda por trabalhar em paz por um mês, pelo menos meio período. Pena que passou voando. 🙂
Ontem as aulas acabaram, depois de um mês, e oremos! A escola vai abrir novamente, se Deus quiser, daqui a dois meses.
Vida expatriada na pandemia.
Para quem está do lado de lá, no Brasil, tem a visão que estamos muito bem, obrigada. Enfim, não temos como comparar um país de 209 milhões de habitantes com um país europeu. Temos muitos “brasis” dentro do Brasil. A única coisa que eu tenho certeza que podemos comparar é o sentimento de cada brasileira que mora fora, a expatriada.
SIM, o sentimento é o mesmo. Uma mistura de desespero se algo acontecer com nossa família e com vontade de voltar correndo para o Brasil. Não tem como fugir disso. No começo, eu só via os voos cancelados e pensava que nada poderia acontecer com minha mãe, porque não teria como sair daqui. Graças a Deus, nada aconteceu com minha família, mas sinto muito por algumas amigas que passaram por isso.
Há sete anos, minha mãe passa todo verão conosco. Enche as meninas de carinho, beijos e colo. Esse ano foi diferente. Cancelamos a passagem, e confesso que estou bem na bad porque era para ela estar aqui. O pior é a falta de perspectiva dessa pandemia, e principalmente no Brasil.
Por isso, pelo amor não façam merda.
Cuidem-se! Se cuidem! Eu e todo mundo, que mora fora do Brasil, quer voltar para o Brasil no final do ano para dar aquele abraço apertado e liberar aquele nó na garganta que nos acompanha há meses.